Quase um de papel

Não acredito que a morte seja algo tão ruim, afinal todos dizem que a pessoa sempre vai pra um lugar melhor. Tampouco acredito que a morte seja solução de problemas, mesmo que trocar essa existência ignóbil por algo melhor pareça agradável.
Sobre a pena de morte eu não sei. Alguns dias acredito ser solução, noutros me parece tapar o sol com a peneira. A maldade é intrínseca. E se, vamos pra um lugar melhor, por que pegar pessoas más e colocar em um lugar melhor enquanto eu tenho que viver num lugar ruim? Não me parece uma solução muito inteligente.
Sobre a minha existência, não sei. Não tenho o direito que querer ir pra um lugar melhor. Não sou uma pessoa boa a esse ponto, tampouco sou má o suficiente pra ficar aqui. Digamos que eu seja indiferente. Não fedo, nem cheiro. Se isso é bom? Não sei. Se é ruim? Também não sei.
Por que então falar da morte? Porque ela é o recomeço e sei que é isso que eu tenho que fazer. Recomeçar a viver. Entender o que é isso e como me encaixo nesse mundo, se eu me encaixar. Tentar preencher o vazio.
Sou como um barco à deriva. Um daqueles sem ninguém, que foi abandonado no cais e o mar foi levando, levando, levando. Alguns dias enfrente o mar calmo, noutros as piores tempestades. Aparentemente , tenho permanecido presa numa região não muito favorável à barquinhos do meu tamanho. Minhas velas estão gastas, desfiando-se nas pontas. Não sei até quando meu barquinho vai aguentar sem virar. E se ele virar e afundar, espero que a viagem tenha valido a pena pra alguém. Que alguma criança tenha olhado pro meu barquinho pequeno e simples e tenha gostado dele. Não almejo ser um grande cruzeiro. Não estou feliz, e talvez nem satisfeita com o barquinho que sou, mas sou assim. Enquanto a tempestade não me virar, vou ficar ali. Vou deixar o mar me levar. Vou esperar que alguém me veja de alguma praia e se encante comigo, mesmo com minhas velas gastas, manchadas, precisando de uma calafetagem, com cracas aderidas ao casco.Talvez por isso eu goste tanto de barcos.